Estou apenas eu neste quarto cheio de tudo, cheio de nada. Está vazio, com falta de alguém. Sou só eu, e eu não encho a cama, quanto mais o quarto. Numa casa cheia de vida onde falta tanta coisa. Uma casa tão grande para memórias que só enchem um piso. Paredes que já tremeram tanto, paredes que estão saturadas de lágrimas e de água da chuva, gotas que nem o sol quente consegue secar. Agora durmo bem, mas descanso tão mal. Estou agitada, e as paredes continuam intactas ao meu sentimento, a tanta inquietação. Estou como a minha casa. Sou a caminha por fazer, a mesa por pôr. Sou a minha casa, sempre vazia, sempre com falta de algo. Sou a música que não deixo acabar, e a música que estou sempre a ouvir. Eu ainda não sou nada, ou se sou, então não sei. Estou cansada, e farta de dormir, sinto-me mal e está tudo bem. Não sou nada para além destas paredes ensopadas de lágrimas da minha casa. Não sei o que mais serei. Queria ser jardim com relva cuidada e flores com cores vivas e árvores altas e passarinhos e crianças a andar de baloiço. Quero ser mais do que paredes brancas tingidas de dor. Não quero morrer, nem ter medo da vontade de querer. Quero ser forte o suficiente para carregar o mundo às cavalitas e ainda levar a lua ao colo e levar com o sol o dia todo na cara. Quero casar com a natureza, ser livre, poder voar. Quero ser alguém. Quero ser norte, maré cheia, barco à vela. Não quero sofrer mais, nem depender de ninguém. Quero ser o meu pai, a minha mãe e os meus futuros filhos. Quero poder ser mais eu.